sexta-feira, 25 de março de 2011

Uma pá de cal nas histórias
* Rosiane Chagas


Pertencessem ainda ao mundo dos vivos, Monteiro Lobato, Sylvia Orthof, José Paulo Paes, Cecília Meireles, dentre outros escritores, ficariam estarrecidos com a atitude tomada pela Secretaria de Educação de Aracaju, que passo a relatar.
Como idealizador da Sala de Leitura da E.M.E. I Profa. Áurea Melo Zamor, situada no Conjunto Orlando Dantas, o saudoso professor Enaldo Santos Silva, profissional extremamente comprometido com a causa da educação pública, e com marcas positivas na passagem pelo Sistema Municipal de Educação de Aracaju, criou e me motivou a enveredar pelos caminhos da leitura com crianças na educação infantil, nos anos de 1995-1996. Criamos projetos que foram acontecendo no decorrer dos anos e com todas as dificuldades impostas pelas precárias condições de trabalho sobreviveram na sua concepção e resistem a atual conjuntura de abandono na qual está mergulhada a educação pública de Aracaju, em especial a educação infantil. A essência pedagógica se traduz na prática sistemática da leitura que garante o acesso de todas as crianças aos clássicos da literatura infantil e a toda literatura de boa qualidade, um caminho para a instituição escolar contribuir decisivamente na formação de uma geração de leitores, de seres humanos críticos, participativos, responsáveis e cada vez mais humanizados. Ressalta-se que as crianças são todas oriundas de famílias de baixa renda e conseqüentemente baixo índice de escolaridade. Isto significa que é na escola que elas têm acesso a livros e a literatura. Muitas vezes é somente na escola que cada uma vive essa experiência de formação. A sustentação teórica do trabalho vem de atividades referentes à temática: Congresso de Leitura do Brasil – COLE; LEIA Brasil – programa de leitura subsidiado pela PETROBRAS – integrando os encontros desde do ano 1997, além de ser ex-integrante o PROLER-SE, programa de leitura do Ministério da Cultura.
Após anos de realização dessa atividade, cujo resultado se observa no comportamento das crianças, que passam a expressar interesse real por livros e leitura, e mudança de postura de mães que buscam na escola o empréstimo de livros para ler em casa para os filhos, recebe-se hoje, por parte da SEMED, não apoio ao trabalho que vem sendo feito, mas uma pá de cal nas histórias. O acanhado espaço físico, que foi se construindo na concepção e na prática, se arrumando para ficar lúdico para as crianças e se constituindo, dentro da escola, como Sala de Leitura, será extinto, segundo falas de “burocratas” da Secretaria. Chegaram à escola, olharam e falaram: “derrubamos essa parede, e aí teremos outra sala”. Ao se perguntar sobre o trabalho que acontece naquele espaço, teve-se como resposta: “passa a ser itinerante”. Não se quis saber da especificidade metodológica, o que pensam as crianças - público mais interessado na Sala de Leitura - nem o que pensam docentes que trabalham na escola sobre o assunto em questão. Decidi a forma de uma atividade acontecer não cabe a técnicas da Secretaria, mas de quem faz o trabalho na escola. De onde vem tanto autoritarismo? De onde vem tanto desrespeito ao trabalho de quem está na escola? Cadê a gestão democrática? Há um Conselho Deliberativo eleito e legalmente instituído, cujo papel é discutir, deliberar e encaminhar decisões de interesse da escola, observando a legislação vigente. A gestão democrática não se faz no texto frio da lei, mas nas ações cotidianas, deve ser construída e reconstruída no chão da escola, no enfrentamento dos conflitos, das divergências, mas também no prazer das conquistas no processo ensino-aprendizagem, nas alegrias de atividades culturais ricas e participativas, como aconteceu no último dia 29/10 - Festa em homenagem ao dia nacional do Saci Pererê.
Há espaço físico na escola para a construção. Extinguir o espaço da Sala de Leitura é inaceitável. A escola e as crianças não podem prescindir desse espaço educativo. Espera-se que a SEMED faça o exercício do diálogo com a comunidade escolar na busca de outra solução para instalação de novas salas.

* É pedagoga e responsável pelo trabalho realizado na Sala de Leitura, na Escola Municipal de Educação Infantil Profa. Áurea Melo Zamor.

Aracaju-SE, primavera do ano 2010.

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